2021
Livro de artista
41,5x27cm, 34 fl, PA + 1
Livro de artista
41,5x27cm, 34 fl, PA + 1
Selecionado para o 26º Salão Jovem Arte MT
Uma parte importante da minha infância é a casa de meus avós. Uma casa azul: sabão em pó, grama cortada, tarde quente, fruta-do-conde. Não era mais criança quando eles se foram. Retornei anos depois àquela casa onde um tio continuou a viver. Ele se foi tempos depois e vi então a casa ser demolida parando de pé. A ordem precisa de antes desfeita, os móveis levados embora, os objetos esquecidos como vestígios, os retratos que ficaram nas paredes de ambientes ocos. As portas que tudo colocaram para fora, já não se fechavam mais. A casa fagocitou-se.
Meu tio faleceu no dia eleições nacionais em que a extrema direita chegou ao poder no Brasil através do voto direto. A ruína – a permanência do que não está mais aqui – extrapolou a casa. As narrativas de tempos passados se misturaram com o presente, como se eu vivesse algo que li nos livros de história ou vi nos álbuns de família ou nos romances distópicos mais longínquos.
Nesse tempo viscoso de hoje, precisei remontar algumas lascas que se soltaram. Sinto que faço da mesma forma como se empilhasse de volta tijolos de uma parede. Para que das imagens acumuladas no palimpsesto da memória pudesse surgir o novo, aquilo que se coloca sob o sol a cada dia no meio da rua. Diante de tudo, a água da piscina permaneceu viva: reflexiva, opaca, translúcida, viva.
Pedro
Cuiabá, agosto de 2021